10 de fevereiro de 2011

Festival de Berlim: carta aberta de Jafar Panahi

O cineasta iraniano Jafar Panahi, que deveria ser o presidente do júri do 61º Festival de Berlim, foi impedido de comparecer por ter sido sentenciado a seis anos de prisão e proibido por 20 anos de realizar filmes e de sair de seu país. A sua ausência foi marcada por uma cadeira vazia na cerimônia de abertura do festival, que aconteceu hoje.
A triz Isabella Rossellini, presidente do júri, leu na ocasião a carta aberta que Panahi enviou à direção do festival. A carta foi escrita em farsi, a língua do cineasta, mas conseguimos no saite do festival (aqui) a versão em inglês (lida por Isabella), e a traduzimos para os leitores do blogue.

CARTA ABERTA DE JAFAR PANAHI

"O mundo de um cineasta é marcado pela interação entre realidade e sonhos. O cineasta usa a realidade como inspiração, pinta-a com a cor da sua imaginação e cria um filme que é a projeção de suas esperanças e sonhos.

"A realidade é que estive impedido de fazer filmes nos últimos cinco anos e agora, por condenação oficial, estou privado desse direito por mais vinte anos. Mas eu sei que vou continuar transformando meus sonhos em filmes na minha imaginação. Admito, como cineasta socialmente consciente, que não poderei retratar os problemas e as preocupações do meu povo, mas não deixarei de imaginar que daqui a vinte anos todos os problemas terão desaparecido e eu farei filmes sobre a paz e a prosperidade do meu país, tão logo eu tenha de novo a oportunidade de fazê-lo.

"A realidade é que me privaram de pensar e de escrever por vinte anos, mas não podem me impedir de imaginar que os vinte anos de inquisição e intimidação serão substituídos pela liberdade e pelo livre-pensamento.

"Privaram-me de ver o mundo por vinte anos. Espero que, quando estiver livre, eu possa viajar em um mundo sem barreiras geográficas, étnicas e ideológicas, onde as pessoas convivam livre e pacificamente, independentemente de suas crenças e convicções.

"Condenaram-me a vinte anos de silêncio. No entanto, nos meus sonhos, eu grito por um tempo em que possamos nos tolerar mutuamente, respeitar a opinião de cada um e viver uns para os outros.

"Em última análise, a realidade do meu veredicto é que terei de passar seis anos no cárcere. Vou viver os próximos seis anos esperando que meus sonhos se tornem realidade. Faço votos de que meus colegas cineastas em todos os cantos do mundo realizem filmes tão bons que, quando sair da prisão, eu seja inspirado a seguir vivendo no mundo que tenham sonhado em seus filmes.

"Doravante, e pelos próximos vinte anos, sou obrigado a ficar em silêncio. Estou impedido de ver, impedido de pensar, impedido de fazer filmes.

"Eu me submeto à realidade do cárcere e dos capturadores. [Mas] buscarei a manifestação de meus sonhos em seus filmes, na esperança de encontrar neles tudo de que fui destituído."

A seguir, o texto original:

OPEN LETTER JAFAR PANAHI

The world of a filmmaker is marked by the interplay between reality and dreams. The filmmaker uses reality as his inspiration, paints it with the color of his imagination, and creates a film that is a projection of his hopes and dreams.

The reality is I have been kept from making films for the past five years and am now officially sentenced to be deprived of this right for another twenty years. But I know I will keep on turning my dreams into films in my imagination. I admit as a socially conscious filmmaker that I won’t be able to portray the daily problems and concerns of my people, but I won’t deny myself dreaming that after twenty years all the problems will be gone and I’ll be making films about the peace and prosperity in my country when I get a chance to do so again.

The reality is they have deprived me of thinking and writing for twenty years, but they can not keep me from dreaming that in twenty years inquisition and intimidation will be replaced by freedom and free thinking.

They have deprived me of seeing the world for twenty years. I hope that when I am free, I will be able to travel in a world without any geographic, ethnic, and ideological barriers, where people live together freely and peacefully regardless of their beliefs and convictions.

They have condemned me to twenty years of silence. Yet in my dreams, I scream for a time when we can tolerate each other, respect each other’s opinions, and live for each other.

Ultimately, the reality of my verdict is that I must spend six years in jail. I’ll live for the next six years hoping that my dreams will become reality. I wish my fellow filmmakers in every corner of the world would create such great films that by the time I leave the prison I will be inspired to continue to live in the world they have dreamed of in their films.

So from now on, and for the next twenty years, I’m forced to be silent. I’m forced not to be able to see, I’m forced not to be able to think, I’m forced not to be able to make films.

I submit to the reality of the captivity and the captors. I will look for the manifestation of my dreams in your films, hoping to find in them what I have been deprived of.

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