18 de março de 2007

Uma lição de cinema de Clint Eastwood

Um bom diretor consegue detectar, por intuição, as possibilidades de um bom roteiro e emprega todo seu talento no sentido de melhor servi-lo. Isto é o que se vê no filme Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood. Todos os recursos técnicos e humanos foram usados para contar, da forma mais precisa possível, sem malabarismos, o drama dos soldados japoneses que lutaram em Iwo Jima.

A fotografia do filme é um caso à parte. A câmera raramente se move. Limita-se a mostrar o comportamento daqueles que vão perder a batalha, como um espectador impassível. Dentro de cavernas e túneis, às vezes trepida, para ampliar o efeito das explosões sobre os abrigos. Quando sai, é para mostrar a superioridade do inimigo, em homens e armas, enquadrando o espaço circundante, quando possível, de jeito a realçar seu lado sinistro, ameaçador.

O diretor optou pela adulteração da cor, aproximando-se do preto e branco, com realce apenas da cor vermelha, por processo digital, nos detalhes da farda, na bandeira japonesa, no sangue dos feridos e no fogo dos lança-chamas e das explosões. Os focos de luz que iluminam os atores foram posicionados na horizontal, em parte para simular a luz natural que penetra nos abrigos, em parte para dar a impressão de que as personagens são espectros. Tanto que a mesma iluminação foi usada também nos momentos em que os soldados saem dos abrigos.

A trilha sonora é quase toda constituída de sons da batalha. A música é usada muito discretamente. Às vezes, quando o bombardeio dá uma trégua, ouve-se um delicado dedilhar no piano. Ela só ganha mais presença nas cenas em flash-back de Kuribayashi nos Estados Unidos.

A história, narrada do ponto de vista do soldado Saigo, tem uma segunda instância narrativa no general Kuribayashi. O primeiro escreve cartas para sua jovem esposa; o segundo, para o casal de filhos e a mulher.

Ninguém, em momento algum, tem a ilusão de que possa ganhar a batalha. Saigo diz, logo no início, que seria melhor entregar a ilha aos norte-americanos, pois ela "fede, é quente, cheia de insetos e não tem água".

Assim que chega à ilha, o general Kuribayashi se põe a traçar uma nova estratégia para a defesa da ilha, com o intuito de resistir às investidas do inimigo pelo maior tempo possível. Ele prevê que, após tomarem posse de Iwo Jima, os norte-americanos irão usá-la como base para atacar o seu país. Por isso, está empenhado em manter o domínio da ilha até o último homem. Além de seu dever para com a pátria, preocupa-o o que possa acontecer a seus filhos. "Se os nossos filhos tiverem mais um dia de paz, terá valido a pena o dia defendido", justifica-se.

O general é informado, antes de a invasão ter início, de que não poderá contar com o apoio nem da força aérea nem da marítima, que acabam de sofrer sérios reveses. E no curso da batalha, as dificuldades se sucedem. Metralhadoras destroçadas não podem ser repostas, e a munição vai aos poucos se esgotando. Quando os invasores tomam o monte Suribachi, entra em cena um inimigo interno da alma japonesa. O coronel Adachi, responsável pela defesa do monte, resolve cometer suicídio e exige que seus subordinados façam o mesmo, em nome da honra. Vários se matam, usando granadas, e as explosões são brutais.

O pelotão comandado pelo tenente-coronel Nishi recolhe um soldado norte-americano ferido. Nishi, que sabe inglês, conversa com ele amistosamente. Conta-lhe que competiu nas Olimpíadas de Los Angeles de 1932 e ficou amigo do casal de estrelas do cinema Mary Pickford e Douglas Fairbanks. O soldado morre, em conseqüência dos ferimentos, e Nishi pega o papel que ele tem na mão. É uma carta de sua mãe, que dirige ao filho palavras de consolo e de incentivo para que ele faça o que deve ser feito. Ao ficar cego numa explosão, Nishi se despede de seus subordinados, que partem em busca de novo abrigo, encorajando-os com frases que leu na carta do soldado morto.

Depois de vários dias sem água e comida, dois soldados decidem se render ao inimigo, por terem ouvido dizer que os norte-americanos dão água e comida aos que se rendem. De fato, logo recebem cada qual um copo d'água e se sentem bem. Mas o pelotão, ao se deslocar, os deixa sob a guarda de soldados impiedosos.

Quando cai ferido, o general Kuribayashi decide se auto-sacrificar e pede a Saigo que o enterre, para que seu corpo não seja encontrado. Após cumprir o que prometera ao general, Saigo é feito prisioneiro. E, quando vê a arma com que o general se matara presa ao cinto de um norte-americano, ele se unfurece e brande a pá que ainda tem nas mãos, tentando, com as energias que lhe restam, atingir os inimigos. Até que é derrubado e posto fora de combate. No final, porém, fica-se sabendo que ele foi poupado.

Embora o filme seja a expressão da idéia de que a guerra é uma estupidez inútil, pode ser que Eastwood tenha aproveitado a oportunidade para expor seu ponto de vista sobre a conduta de um soldado no campo de batalha. Os dois únicos soldados que são mostrados como possíveis sobreviventes não se renderam. Além de Saigo, outro japonês pode ter sido poupado. Ele perdeu a esperança de sair vivo, mas tem a intenção de destruir um tanque inimigo com ele. Pendura no corpo algumas minas, borra o rosto com o sangue de um morto e se deita, como se morto estivesse, à espera de que um tanque passe sobre ele. Mas acaba sendo aprisionado. Os valentes, sem dúvida, merecem viver.

Para um diretor de Hollywood, havia o risco de resvalar para a antipatia aos japoneses, que eram os inimigos, ou para o sentimentalismo fácil, já que enfoca os perdedores. Mas o veterano Eastwood conseguiu equilibrar-se sobre uma linha tênue, em terreno mais que minado. Mostrou os japoneses como seres humanos sensíveis ou heróicos, sem omitir os aspectos negativos de sua cultura à época. Não é pouco, mesmo contando com a ajuda de uma roteirista japonesa.

Do alto de seus 76 anos, o diretor realizou a síntese entre o bem e o mal para visitar os fantasmas de Iwo Jima com os olhos da compaixão. E o resultado é surpreendente. Filmes como esse, que causam impacto, provocam mossa, estão se tornando cada vez mais raros. Pior para o cinema.
(Texto publicado pelo semanário Jornal Opção, de Goiânia, edição de 11 a 17 de março de 2007. Acesse: www.jornalopcao.com.br)

(Crédito da foto: expresso.clix.pt)

'Babel' na China

O filme Babel, do mexicano Alejandro González Iñárritu, estreou na China na última segunda-feira, 12. Antes, porém, sofreu cortes de cerca de cinco minutos, em cenas consideradas "sexualmente explícitas demais" pelos censores chineses. As cenas castradas são aquelas em que uma jovem japonesa -- interpretada por Rinko Kikuchi, indicada ao Oscar -- tenta seduzir um homem mais velho, afastando a saia e mostrando-lhe a genitália. O governo chinês só permite a exibição de 20 filmes estrangeiros por ano. E desde que cortadas as cenas de violência, de sexo ou politicamente polêmicas.
(Crédito da foto: www.alarm-alarm.com)