O filme "Guerra Fria" (
Zimna wojna, 2018), de Pawel Pawlikowski, mostra a tragédia que foi o comunismo soviético na Polônia. E mostra do jeito que eu gosto, sem discurso. Apenas retrata as peripécias de duas pessoas que se amam, um homem e uma mulher. Eles têm as suas vidas destroçadas por causa do comunismo, mas quase tudo está no subtexto. O espectador é que faz a sua leitura e tira as suas conclusões.
Um jovem músico e maestro faz uma pesquisa para descobrir cantoras e canções do mundo rural, a fim de montar um espetáculo. É aí que ele conhece uma jovem cantora e começam um relacionamento. Começam também os problemas, porque seu trabalho está submetido à supervisão de um representante do partido comunista. O espetáculo, puramente musical, é apropriado pelo partido para exaltar o ditador soviético Stálin. A cantora conta ao maestro que o chefete do partido, com quem ela também é obrigada a se relacionar (deduz-se), a assedia para obter informações a respeito dele, querendo saber inclusive se ele acredita em Deus. Isto, na Polônia, um país católico.
O maestro cria um belíssimo espetáculo de canto e dança, que é levado para um festival da juventude comunista na Alemanha, ainda na década de 1950, antes da existência do Muro da Vergonha, construído em 1961 e que dividiu a Alemanha em dois países, um comunista e o outro democrático. O maestro se aproveita de estar na Alemanha ainda sem o muro e foge para Paris. Lá, ele tem contato com a música ocidental, o jazz, e se torna amante de uma poetisa, que escreve letras para sua canções.
A cantora, que ficou na Polônia, se casa com um italiano da Sicília e vai ao encontro do maestro. Ela nega que fugiu da Polônia, diz que saiu legalmente, em consequência de ter se casado com um estrangeiro, mas é evidente que o casamento foi a saída que ela encontrou para escapar do comunismo. Seu marido siciliano nem é visto no filme. Em Paris, ela se diverte com Rock Around the Clock, música do grupo roqueiro Bill Halley e Seus Cometas, que também alegrou a minha geração, quando eu era adolescente.
Usando passaporte não polonês, o maestro vai à Tchecoslováquia para um evento musical e a polícia comunista o prende, leva-o de volta à Polônia e o sentencia a 15 anos de prisão. Sua prisão é uma ilegalidade inominável, cometida por uma ditadura, porque seu passaporte é de um país fora da cortina de ferro. A jovem cantora também retorna à Polônia e, num arranjo para tirá-lo da cadeia antes de cumprir os 15 anos de pena, se casa com o chefete comunista e tem um filho com ele.
O maestro e a cantora são dois seres humanos normais, cheios de defeitos como todos nós, talvez mais ingênuos que nós por terem nascido num país comunista. Eles só querem viver e realizar seus talentos artísticos, mas são cerceados pelo totalitarismo comunista. Ele termina como um apátrida, uma das condições mais degradantes para um ser humano. O final é trágico. Mas nenhuma personagem do filme diz uma só palavra, nada, contra o comunismo. Precisava?