1 de fevereiro de 2011

'Além da Vida', filme de Clint Eastwood

Quando se sabe que o mais recente filme de Clint Eastwood tem o título “Além da Vida” (Hereafter, 2010), pensa-se logo que o veterano cineasta, hoje com 80 anos, já se preocupa com a morte, pressentindo sua proximidade. No entanto, assistindo-se ao filme, descobre-se que o seu verdadeiro interesse se restringe aos vivos. A morte é só um MacGuffin (termo criado por Alfred Hitchcock para designar o elemento que mobiliza as personagens e dá origem aos episódios em que se desdobra a trama).

O roteiro do filme articula as histórias de três personagens que vivem em países diferentes, bem ao gosto do cinema atual: uma jornalista francesa, um vidente americano e um garoto inglês. Todos têm alguma relação com a morte, mas enfrentam suas dificuldades individuais até o momento climático do filme, quando seus destinos se cruzam.

A jornalista, interpretada por Cécile De France, escapa da morte em um tsunami na Tailândia e fica obcecada com o outro mundo. Desde então sua vida, profissional e pessoalmente, começa a se complicar. É afastada do trabalho na televisão, perde o namorado e, em vez do livro que lhe encomendaram sobre o ex-presidente François Mitterrand, resolve escrever sobre experiências do além-túmulo.

O vidente, encarnado por Matt Damon (foto), acredita que o dom que tem de captar mensagens de pessoas mortas não passa de uma maldição. Por isso, recusa-se a continuar seu trabalho como vidente e arranja emprego no porto de São Francisco. Em busca de novos vínculos com a vida, ele resolve tomar aulas noturnas de culinária italiana. Mas não demora e as coisas se complicam para o seu lado. Primeiro, a moça que se tornou sua parceira no curso de culinária desaparece assim que ele, em comunicação mediúnica, revela fatos do passado dela que ela preferia manter no esquecimento; depois, em consequência da crise econômica, ele é demitido do emprego.

O garoto inglês, vivido pelos gêmeos George e Frankie McLaren, perde em acidente o irmão gêmeo, sua mais importante referência familiar, já que a mãe é uma alcoólatra às voltas com o serviço social. Desde então, ele se preocupa apenas em estabelecer contato com a alma do irmão. Nas suas aventuras, porém, ele só encontra falsos videntes.

Os destinos das três personagens convergem para uma feira de livros em Londres, que acontece significativamente na primavera. O vidente, em busca de saber mais sobre Charles Dickens, escritor que sempre admirou, descobre que o ator Derek Jacobi estará na feira lendo trechos de um livro do escritor. A escritora francesa, que está na feira autografando seu livro sobre experiências além-túmulo, também atrai a sua atenção, naturalmente. O garoto, que ficou conhecendo o vidente por meio de pesquisa na internet, coincidentemente é levado à feira pelos representantes da instituição que o adotou até que sua mãe consiga ficar sóbria.

O vidente é portador de solução para os problemas de um e da outra. Após insistir muito, o garoto consegue sensibilizá-lo a estabelecer contato com a alma de seu irmão. Feito o contato mediúnico, a mensagem consoladora contém estímulos para o garoto tocar a vida adiante. A escritora, por sua vez, certamente se dará por realizada unindo-se a alguém capaz de fazer contato com o outro mundo. Assim, a vida de cada um deles atingirá novo equilíbrio.

Para obter-se um visual compatível com o assunto que move as personagens, evitou-se o emprego de cores vivas no filme. Tanto nos figurinos quanto na cenografia predominam as cores neutras e tons pastel. Somente no final, quando a escritora e o vidente se descobrem como almas gêmeas, o ambiente em que se encontram adquire colorido mais cálido.

O próprio Eastwood compôs a delicada e expressiva trilha musical que embala o filme (com inserções de trechos de óperas e do Concerto nº 2 para piano e orquestra de Sergei Rachmaninoff). Aqui, destaca-se um piano; ali, um violão; acolá, outro instrumento. Na cena em que a escritora lê o bilhete que o vidente enfiou debaixo da sua porta, o piano e o violão travam um diálogo que é um primor de entendimento entre duas almas. E quando o vidente e a escritora entram em sintonia romântica, toda uma orquestra surge para exprimir o turbilhão de sentimentos que envolvem as duas vidas. Simultaneamente, a câmera se eleva como que para conectar a união dos dois com algo superior.

Com simplicidade e elegância, Clint Eastwood acompanha o trajeto das personagens interligadas pela morte, mas não deixa a mínima dúvida de que só se interessa pela vida. “Uma vida centrada na morte não é vida de modo algum”, pensa o vidente. Sendo a comunicação entre os vivos a preocupação primordial do filme, a câmera realça sempre os contatos físicos, os toques de mãos. O além, conclui-se, é problema dos que se foram.
(Publicado no Jornal Opção e no saite Revista Bula.)

NILDO PARENTE (1934-2011), ator

O ator brasileiro Nildo Parente morreu no dia 31 de janeiro no Rio, de acidente vascular cerebral, aos 76 anos.
Nildo era um ator coajuvante capaz de tornar importante qualquer papel que interpretasse.
Algumas de suas melhores oportunidades foram sob a direção de Nelson Pereira dos Santos, em filmes como "Azyllo Muito Louco" (1970), "Tenda dos Milagres" (1977) e "Memórias do Cárcere" (1984).
Da sua extensa filmografia destacam-se ainda "Tempo de Violência" (1969), "Coronel Delmiro Gouveia" (1978), "Cabaret Mineiro" (1980), "Gabriela, Cravo e Canela" (1983), "O Beijo da Mulher Aranha" (1985) e "Cleópatra" (2007).
Nildo Gomes Parente nasceu em 18 de setembro de 1934, em Fortaleza, Ceará.