18 de junho de 2011

Trindade (GO) perdeu a chance de ser o berço do cinema goiano

Em Goiás, o nascimento do cinema ficou marcado por frustrações. Nos anos 50, a atriz Cici Pinheiro acalentou o sonho de fazer um filme sobre o Anhanguera, e não passou do sonho. Depois, em 1962, um grupo de amigos de Trindade conseguiu passar do sonho à prática, mas por muito pouco não finalizou seu projeto.

A ideia partiu do fotógrafo amador Arlindo Batista da Silva, filho do proprietário do Cine Mara, que recebeu o apoio do agrimensor Sebastião Prates de Oliveira (Zizinho), do professor Goiany Prates de Oliveira, irmão de Zizinho, e de Reinaldo Silva, eletricista e projecionista do Cine Mara.

Zizinho, Arlindo e Reinaldo desenvolveram a história sobre um romeiro da Festa do Divino Pai Eterno, que acontece em Trindade todo ano em julho. Goiany foi a São Paulo comprar película virgem e alugar uma câmera profissional de 35 mm.

Após as filmagens e a revelação do material, o filme foi montado com o título provisório de “Romaria do Pai Eterno”. E, pela descrição que Reinaldo Silva faz de alguns enquadramentos e cortes, nota-se que havia na concepção uma criatividade surpreendente.

O filme começava com imagens da cidade, antes de entrar em cena o romeiro, vivido por Francisco Honório. Primeiro, apareciam seus pés, caminhando por uma trilha. Os pés chegavam a uma junção com outra trilha, onde apareciam os pés de outro homem (Reinaldo). Então a câmera se elevava para mostrar, de costas, os dois caminhantes aproximando-se de uma porteira. Em seguida, eles passavam por um carro de boi e, mais adiante, por uma fila de tais carros.

O romeiro entrava em Trindade e se deslumbrava diante de tudo que via: multidões nas ruas, barraquinhas, bancas de jogos, parque de diversão, circo.

Em um cruzamento de ruas, um guarda comandava o trânsito de pessoas e automóveis. No momento em que o guarda estirava o braço para conter o fluxo de veículos, a câmera acompanhava seu gesto e continuava a girar até enquadrar a multidão atravessando a rua.
Com um palhaço de pernas de pau que anunciava o espetáculo do circo foram feitas duas tomadas (ida e volta) passando-se entre as pernas dele.

Por fim, o romeiro chegava à igreja (o antigo santuário), diante da qual havia um lambe-lambe. De um plano das mãos do fotógrafo ajeitando a cabeça do fotografado, cortava-se para as mãos de um romeiro colocando uma cabeça de cera entre os ex-votos. Criou-se, portanto, um belo raccord por semelhança, anos antes daquele com o osso e a nave espacial em “2001: Uma Odisseia no Espaço”.

Dentro da igreja, o romeiro se ajoelhava para rezar. Aí, cortava-se para a imagem do Pai Eterno, a única colorida, que fechava o filme.

As ideias mais brilhantes devem ser creditadas a Zizinho, que estudara arquitetura no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, embora não se saiba se concluiu o curso.

As filmagens foram realizadas sempre à luz do dia. Para as tomadas aproximadas ou no interior da igreja usaram-se rebatedores improvisados: estandes de cartazes do cinema revestidos de papel-alumínio.

Zizinho assumiu a fotografia. A cronometragem das tomadas ficou a cargo de Benedito Cordeiro, e a claquete foi acionada por Rojão. A revelação do negativo foi feita em São Paulo aos cuidados de Goiany, que também escreveu o texto da narração, que não chegou a ser gravada, com contribuições dos demais.

Os custos da produção foram bancados pelos quatro cavalheiros, tendo Arlindo e Zizinho arcado com a maior parte das despesas.

Por medida de economia, dispensou-se a tiragem de copião. A montagem do negativo foi feita por Reinaldo, usando a enroladeira e a coladeira do Cine Mara. Chegou-se a dois rolos de filme, dos quais se tirou uma cópia que só foi projetada para os envolvidos na produção.

Por se tratar de principiantes, só o fato de terem obtido material para um filme de dois rolos, sem perder uma tomada sequer, era uma façanha espantosa.

Entretanto, na hora da finalização, Arlindo e Zizinho se desentenderam por ninharia. Zizinho queria dar crédito a um rapaz que participou das filmagens, carregando tralhas pesadas, mas Arlindo foi do contra. Por causa dessa desinteligência todo o trabalho deu em nada. O filme ficou na lata até se deteriorar. E Trindade perdeu a primazia de ser o berço do cinema goiano.