20 de janeiro de 2007

007: James Jones ou Indiana Bond?

Para quem não via um filme de James Bond desde 007 contra o foguete da morte (1979), até que 007 -- Cassino Royale é uma boa surpresa. Tem tudo que se espera de um filme do gênero: ação e suspense, romance e turismo, um enredo cheio de reviravoltas e com pitadas de humor, além de efeitos visuais em profusão.

Todo mundo sabe que as aventuras de James Bond surgiram em plena "guerra fria", período histórico em que EUA e URRS, após a II Guerra Mundial, retaliavam-se sem uma formal declaração de beligerância. E os filmes caíram no goto do público justo porque exploravam os conflitos entre as duas superpotências. Uma das falas mais inteligentes de 007 -- Cassino Royale aponta com precisão para esse tempo tenebroso e para os filmes de Bond da época. É proferida pela chefe do serviço de inteligência britânico, M, vivida pela ótima Judi Dench. Ao fazer comentários sobre a perda de importância de seu trabalho, ela dispara: "Tenho saudade da guerra fria". Bela ironia.

Os produtores do filme, na verdade, conseguiram emplacar um assunto da hora, que aparece todo dia nas manchetes: o terrorismo internacional. Foram felizes também ao encontrar um ator com as qualidades indispensáveis para o novo rumo que imprimem à história. Daniel Craig não exala a virilidade de Sean Connery nem possui o refinamento de Roger Moore, mas tem o porte físico que lembra Schwarzenegger e a energia de Harrison Ford. E o seu rosto não chamaria a atenção de ninguém no meio da multidão. Poderia ser o cara da porta ao lado de qualquer um.

É interessante observar a influência que certos filmes exercem sobre outros. Hoje, ninguém tem dúvida de que Intriga internacional (1959), de Hitchcock, serviu de referência para os primeiros filmes de James Bond. Depois, na década de 1980, surgiu a trilogia de Indiana Jones, criação da dupla George Lucas e Steven Spielberg, que deixou a série do agente 007 comendo poeira. Eles pegaram o dinamismo de James Bond e o levaram ao paroxismo. No terceiro filme da trilogia passaram recibo do que era inegável. Escalaram Sean Connery, o mais memorável intérprete de Bond, para o papel de pai de Indiana.

Quem vê 007 -- Cassino Royale percebe de cara a influência dos filmes de Indiana Jones. Quando o filme começa, com correrias em cenário de país do terceiro mundo, o espectador se pergunta se não errou de sala e entrou numa que esteja exibindo a última aventura de Indiana. E não demora para aparecerem cenas que remetem diretamente a Caçadores da arca perdida (1981).

A eletrizante seqüência em que Bond luta contra um terrorista, que dirige um caminhão em alta velocidade, é visivelmente inspirada naquela em que Indiana enfrenta soldados nazistas em um caminhão em disparada. Só não é tão emocionante nem tão bem decupada quanto a que a inspirou. O espaço em que ocorre, um aeroporto, não permitiria muitas variações além de topadas com tudo que se pode ter no aeroporto.

Com 144 minutos, o filme ficou mais longo que o esperado. Mas os roteiristas souberam dosar a história, dando a impressão de que o fim chega ao cabo de duas horas, quando o melhor ainda está por vir. Até a famosa fala "Meu nome é Bond, James Bond", que todo filme tem de ter, foi adiada para o último momento e dita em contexto hilariante.

Essa adaptação do livro Cassino Royale, de Ian Fleming, nada tem a ver com o filme homônimo de 1967, que era uma paródia desbragada, com vários comediantes no papel de James Bond. Mas também tinha seu charme.
(Crédito da foto: http://www.gamespot.com/)

Faroeste com reflexão

O filme Os profissionais (1966), de Richard Brooks, além de ser um excelente faroeste, oferece momentos de reflexão. Um diálogo em especial encanta os filósofos. É travado por Jesus Raza (Jack Palance), que quer recuperar a mulher, Maria (Claudia Cardinale), e Bill Dolworth (Burt Lancaster), que tem o compromisso de impedi-lo, custe o que custar, bloqueando sua passagem. Ambos estão protegidos dos tiros do outro, mas próximos o bastante para que possam ouvir o que o outro fala.
Raza: Você sabe, claro, que um de nós deve morrer.
Dolworth: Talvez nós dois.
Raza: Morrer por dinheiro é tolice.
Dolworth: Morrer por uma mulher é mais tolice ainda. Qualquer mulher. Até ela.
Raza: Por quanto tempo você pensa que vai nos deter aqui?
Dolworth: Algumas horas. Depois, o que acontecer aqui não importa. Ela será a Sra. Joe Grant novamente.
Raza: Mas isso não mudará nada. Ela é minha mulher. Antes. Agora. Sempre.
Dolworth: Nada é para sempre. A não ser a morte. Pergunte a Fierro. Pergunte a Francisco. Pergunte àqueles no cemitério dos anônimos. (Fierro e Francisco eram companheiros de Raza, que Dolworth acabara de matar.)
Raza: Eles morreram por algo em que acreditavam.
Dolworth: A revolução? Quando os tiros cessam, os mortos são enterrados e os políticos assumem, tudo acaba sendo uma coisa só: uma causa perdida.
Raza: Então? Você quer a perfeição ou nada. É muito romântico, compadre. A Revolução é como um grande caso de amor. No começo ela é uma deusa, uma causa sagrada. Mas todo caso de amor tem um inimigo terrível.
Dolworth: O tempo.
Raza: Nós a vemos como ela é. A Revolução não é uma deusa, mas uma prostituta. Ela nunca foi pura nem santa nem perfeita. Então, fugimos. Encontramos outra amante, outra causa. Casos rápidos, sórdidos. Luxúria, mas não amor. Paixão, mas não compaixão. Sem amor, sem uma causa, não somos nada. (Pausa.) Continuamos porque acreditamos. Partimos porque estamos desiludidos. Voltamos porque estamos perdidos. Morremos porque estamos engajados.

Comentário: É mesmo um belo filme, com grandes momentos. Esse diálogo, reproduzido assim, não faz justiça ao filme em si. Bom mesmo é ver os dois grandes atores dizendo as falas, a situação tensa em que se encontram, num desfiladeiro em pleno deserto, e a astúcia de cada um para cumprir seu objetivo. Não é todo dia que se pode ver um filme como esse.

(Crédito da foto: img.tesco.com)