O grande intelectual e poeta Antonio Miranda resolveu premiar os leitores deste blog, autorizando a publicação de dois poemas de sua autoria em que homenageia estrelas do cinema brasileiro. Por sua magnânima atitude, o nosso reconhecimento.
MAZZAROPI
Precisamos resgatar a figura do Jeca Tatu
do matuto, do nosso esquecido Mazzaropi
- um caipira com nome de pizzaiolo!
Não importa, ele era telúrico!
com suas botas, fumo-de-rolo, chapéu surrado
camisas quadriculadas, cusparadas e babaquices
[babaquice não é uma palavra poética
adverte-me o editor Victor Alegria]
caminhando aos trambolhões, apalermado.
Seu casebre era de pau-a-pique
o cão preguiçoso a imitar o dono
o panelão no fogo e o cigarro-de-palha
queimando-lhe os lábios no cochilo
ou no ronco escancarado.
Grosseiro? Vulgar? Caricato?
Ríamos de nosso próprio desengonço
de nossa rudeza, ingenuidades
ao som de violas e pilhérias
em torno de fogueiras, sob bandeirinhas
de São João, no terreiro
na roça! no cinema, envergonhados.
Os filmes horríveis, por isso maravilhosos!
Cantava como um bezerro desmamado
atuava imitando a si mesmo
e, por isso mesmo, genial.
Os filmes eram sempre os mesmos
os enredos sempre iguais, banais
as mesmas vacas, os mesmos pastos
da fazenda que devia ser a dele
as mesmas galinhas
o velho caminhão de feira
e aquele andar pisando ovos
ou bosta de gado.
Era o nosso Cantinflas, o nosso Chaplin
ou, se menos, nosso palhaço-de-circo
nosso ventríloquo, nosso bobo da corte
que nos levava ao riso e às lágrimas.
Agora os nossos interioranos são country
em vez de viola ouvem guitarras elétricas
em vez de calças frouxas e encolhidas
usam jeans e cintos reluzentes.
Mas, lá adiante, no pé-de-serra
ainda existe um Mazzaropi tirando
bicho-de-pé com facão de cortar cana
e alguma lamparina, uma moenda
caninha de alambique
uma capelinha rural enfeitada de fita
e folhas de palmeiras
e um galo marcando a tradição.
(Crédito da foto: fina-sintonia.blogspot.com)