'A Mula' Já Nasceu um Clássico Moderno
O próprio diretor vive o protagonista, um cultivador de flores idoso que vende a sua produção diretamente aos clientes, enquanto os negócios vão migrando para a internet. Por ser um analfabeto digital, ele não consegue fazer a migração. Passados doze anos, ele chega aos 90 arruinado financeiramente e com a família contra ele. O que lhe resta a fazer? Virar “mula” do Cartel de Sinaloa, que trafica drogas do México para os EUA.
Os negócios do cartel movimentam muito dinheiro. O velhinho faz as suas viagens sem problema, porque ninguém desconfia de um sobrevivente da sua idade, e vai embolsando altas quantias. Melhora de vida, ajuda e reconquista a família e ainda colabora com a Associação dos Veteranos da Guerra da Coreia, da qual faz parte. Ninguém abandona uma atividade lucrativa assim, ainda mais sendo ameaçado pelos mexicanos para permanecer no negócio.
Clint Eastwood, assim como seu personagem, não ficou velho à toa, sem adquirir sabedoria. Ele conhece todos os segredos do cinema e, tendo um bom roteiro nas mãos, sabe transformá-lo num filme melhor que ninguém. Não conheço diretor mais habilidoso que ele, hoje, em Hollywood. As peripécias da história são encenadas com inteligência e os diálogos são primorosos.
Sabendo livrar-se de armadilhas, o velho Clint faz piada com o assunto que lhe apraz, sem dar bola para o que vão dizer os chatos da correção política: etnia, raça, velhice. O resultado é um filme estupendo, que nenhum outro diretor teria coragem de se arriscar a fazer. Creio que aqueles que conhecem bem o cinema clássico hollywoodiano poderão melhor aquilatar as suas qualidades.
Um filme assim deveria estar concorrendo ao Oscar em muitas categorias. Sobretudo por tratar de uma minoria – nós, os velhos –, quando parece que todo mundo fala em diversidade e pede filmes sobre minorias. “A Mula”, porém, não recebeu uma só mísera indicação.
Mas não é difícil entender os motivos por que Hollywood esnobou o filme, embora ele tenha obtido um sucesso financeiro considerável. Primeiro, porque os velhos não são uma minoria barulhenta. Segundo, porque os que hoje dominam a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas têm horror ao politicamente incorreto. Terceiro, porque o velho Clint pertence ao partido do “monstro” que ocupa a Presidência dos EUA.
(Foto: Google Imagens/ primeiraesetimaarte.com.br)