30 de janeiro de 2007

O santo nome de Beethoven em vão

A vida de um gênio do quilate de Beethoven, ainda que destituída de grandes emoções, se excluída sua obra, deve ser uma tentação para cineastas às voltas com a falta de assunto. A idéia do filme O segredo de Beethoven, de Agnieszka Holland, pode ter surgido nessa circunstância.
O título brasileiro, que nada tem a ver com o original, Copying Beethoven, não podia ser mais infeliz. O único segredo da vida dele, na verdade, foi um caso de amor com mulher a que chamou numa carta de Amada Imortal.

O filme se inicia com a morte de Beethoven e, em seguida, retoma sua vida ao tempo em que ele compunha a Nona Sinfonia e, supostamente, a Grande Fuga do Quarteto em si bemol maior op. 130. O ator Ed Harris, que o retrata com razoável competência, apresenta um Beethoven com problemas de audição, mas ainda capaz de dialogar com desenvoltura.

Diante da perspectiva de realizar um grande concerto para estrear sua sinfonia, Beethoven resolve aceitar que alguém o auxilie na formidável tarefa. Assim Anna Holz, jovem estudante do Conservatório Musical de Viena, se torna sua copista e se revela a melhor colaboradora que ele podia desejar.

Anna se empenha tanto em sua função que acaba conhecendo a Nona tão bem quanto o próprio compositor. E como ele já tem dificuldade para ouvir os instrumentos, ela se oferece para ajudá-lo na hora da regência. Durante o concerto, posicionada fora da visão da platéia, ela faz os gestos que ele repete para a orquestra. Com esse arranjo estapafúrdio (o segredo, do título), o concerto é bem-sucedido e o filme chega ao desfecho, dando a falsa impressão de ter acompanhado Beethoven até seus últimos dias.

Vamos aos fatos. O concerto em que se deu a estréia da Nona Sinfonia aconteceu em 7 de maio de 1824 e a morte de Beethoven, em 26 de março de 1827. Desde 1818, com o agravamento da surdez, ele havia adotado os Livros de Conversação, para se comunicar com os interlocutores através da escrita. No concerto real, ele apenas marcou o tempo e folheou a partitura. A regência de fato ficou a cargo do violinista Schuppanzigh e do Kapellmeister Umlauf, que teve a cautela de advertir o coro e a orquestra para ignorar os gestos do compositor. E o Quarteto op. 130, do qual inicialmente fez parte a Grande Fuga op. 133, foi composto entre julho e novembro de 1825. Beethoven continuou criando grande música até novembro de 1826 e seu último trabalho foi um novo finale para o Quarteto op. 130.

A despeito de ser descarada obra de ficção, que não merecia estampar o santo nome de Beethoven no título, o filme oferece divertimento de uma certa qualidade, especialmente graças à brilhante síntese da Nona Sinfonia, regida pelo veterano maestro inglês Christopher Hogwood.
Isto é tudo que se pode dizer, em consideração ao direito de escolha da cada um.
(Crédito da foto: epipoca.uol.com.br)

2 comentários:

Robson disse...

UM MESTRE É FEITO DE TANTOS SEGREDOS QUE NEM ELE MESMO TEM IDÉIA...E DEPOIS DE PÚBLICO,DE CRISTO A BUDA(FAZENDO O CÍRCULO AO CONTRARIO),TODOS SERÃO DETURPADOS,DEVE SER POR ISTO QUE MEU AMIGO(F.W.N)NÃO GOSTAVA DE HISTÓRIA,E A ARTE NÃO PRECISA SER A CÓPIA FIEL DA NATUREZA,SE É QUE EXISTE ESTA TAL DE CÓPIA FIEL...MAS,COMO FAZ O NOSSO AMIGO DAS COSTAS LARGAS:"-DE QUE MESMO QUE EU ESTAVA FALANDO?...HA,NÃO IMPORTA..."

Anônimo disse...

Excelente o comentário de Herondes. Acho uma pena fantasiarem a história de Beethoven, o que pode até confundir o público que não teve oportunidade de conhecer sua biografia verdadeira, quando poderiam ter feito um filme que retratasse sua vida e sua obra.