31 de julho de 2010

A cidade da Lapa (PR) ensaia um grito que chama à participação todos os brasileiros que gostam de cinema e sabem da importância dos cineclubes

Este blog abre espaço para divulgar o meritório trabalho de Emmanuel Appel, professor de filosofia da Universidade Federal do Paraná (e que também vem colaborando com a reitoria do Instituto Federal do Paraná na implantação de sua área de cultura), na busca de uma política estimuladora da reativação do movimento cineclubista naquele Estado. É a sua contribuição para a Carta da Lapa, um verdadeiro manifesto, que servirá de locomotiva a puxar os passos subsequentes do esforço paranaense em prol do desenvolvimento do cinema brasileiro. O título do documento refere-se à cidade da Lapa (PR), local em que recentemente se realizou a quarta edição do Festival da Lapa, com destaque para a Mostra Competitiva de Filmes de Época, concorrentes ao troféu Tropeiro, um dos símbolos da Lapa.
A seguir, o texto do professor Appel para a Carta da Lapa, que merece ser chamado de Grito da Lapa, digno de ser ouvido em todos os rincões do nosso País:

"Se bem traduzo parte dos debates e conversas do sábado, penúltimo dia do Festival da Lapa, um dos pontos desta Carta deve centrar-se na urgência que têm os cinéfilos e os que trabalham com cinema no Paraná em fazer a sua parte no processo (retomado em 2003 durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro) de rearticulação dos cineclubes, reafirmando (como na memorável Carta de Curitiba, redigida quando da realização, em fevereiro de 1974, no Teatro do Paiol, da VIII Jornada Nacional de Cineclubes/III Encontro Sul-Americano de Cineclubes) sua clara posição em defesa do cinema nacional, seu compromisso com o desenvolvimento do projeto cultural brasileiro. Em sintonia com o Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros e com o Programa Cine Mais Cultura do MinC, cabe aproximar os cineclubes em funcionamento no Paraná e atuar, inclusive com propostas de políticas públicas, no sentido de implantar cineclubes em todos os espaços possíveis: universidades, associações, institutos, bibliotecas, museus, sindicatos, clubes, câmaras municipais, unidades da rede Sesc, dentre outros. Desta forma, estaremos contribuindo com a formação do público e de público para o cinema nacional, de quadros que possam fazer crítica de cinema -- retomando talvez uma tradição que iniciou em Curitiba no final dos anos quarenta e que se desenvolveu até pouco depois de meados dos sessenta, sobressaindo nesse período, por sua sólida cultura cinematográfica, os nomes de Armando Ribeiro Pinto (que, no caminho aberto por Paulo Emílio Salles Gomes, passou uma temporada em Paris assistindo os clássicos na Cinemateca Francesa), Francisco Bettega Neto (cujas críticas, na edição curitibana do jornal Última Hora, eram de leitura obrigatória) e Lélio Sottomaior Júnior (que revelou os autores franceses e americanos, em especial para os que freqüentavam o Cineclube Pró-Arte do Colégio Santa Maria) --, e de quadros que possam se orientar, ampliadas as parcerias entre cineclubes universitários, cursos de cinema e Cinemateca de Curitiba, para as atividades de pesquisa, preservação e difusão, para o trabalho em arquivos audiovisuais. Em consequência, com a implantação de cineclubes, estaremos também dando um passo na formação de um ainda necessário jornalismo cultural paranaense, verdadeiramente capaz de fazer a mediação entre as manifestações culturais e o público. Mais ainda: com a interiorização dos cineclubes pode-se progressivamente diminuir uma estatística estarrecedora, colhida pelo IBGE em 2007: apenas 8% dos municípios brasileiros (de um total de mais de 5.500) possuem salas de cinema! Segundo dados recentes, o Brasil ocupa o sexagésimo lugar na relação de habitantes por sala: são em números redondos 86.300 pessoas para cada sala de cinema enquanto nos Estados Unidos a média é de 7.900. Se vingar o programa Cinema Perto de Você, que está sendo lançado pela Ancine/Agência Nacional de Cinema visando incentivar o setor privado (por meio de linhas de financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual e do BNDES e ainda por conhecidos mecanismos de desoneração tributária) a abrir cinemas -- previsão de 600 salas em quatro anos -- nas imediações de grandes centros urbanos e em municípios sem essa alternativa cultural; se vingar, dizíamos, - e os presentes no Festival da Lapa torcem por esta iniciativa, cuja prioridade encontra-se nos 89 municípios com mais de cem mil habitantes e sem nenhuma sala de cinema! -- ainda assim passaríamos das atuais 2.200 salas (encontravam-se reduzidas a menos da metade em 1995 e dobraram devido ao extraordinário avanço de shopping centers) para 2.800, patamar ainda inferior ao de meados dos anos setenta, quando o Brasil possuía 3.300 salas em funcionamento. Ora, salta aos olhos como a atividade cineclubista, existente desde antes dos anos vinte (ainda que o primeiro cineclube brasileiro com estatutos e registro oficial, o Chaplin Club, tenha sido fundado em 1928, há registro de que já em 1917, também no Rio de Janeiro, um grupo de amigos, alunos do Colégio Pio Americano, se reunia para ver e debater filmes) e voltada às virtudes formativas, criativas e críticas do cinema, poderá não só atenuar esta situação como, por meio de festivais, mostras e retrospectivas, fazer com que o cinema, de todas as bitolas, tecnologias e diversidades estético-culturais, chegue à população: calcula-se que apenas 10% dos quase 200 milhões de brasileiros vão ao cinema “pelo menos uma vez por ano”! Se o desafio é imenso, os cineclubistas hoje contam com a Programadora Brasil e com a Filmoteca Carlos Vieira, ambas com um acervo de filmes devidamente licenciados, em condições, portanto, de resolver suas dificuldades iniciais de programação. Pensando grande, num tempo não muito distante, impregnado de otimismo militante, com os cineclubes (que, nunca é demais lembrar, também são -- além de territórios de aprendizagem, por conta da possibilidade de debates regulares, antecedidos por uma apresentação do filme -- espaços de sociabilidade, centros de vivência, pontos de encontro) é bem provável que se recrie o hábito de ir ao cinema e que boa parte dos que frequentam cineclubes passe a ver o cinema como importante em suas vidas.

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Outro ponto, esboçado nas mesas do sábado, 12 de junho, que merece ser destacado na Carta, diz respeito à instalação de cineclubes nas escolas: penso não estar exagerando ao imaginar a cultura cinematográfica ajudando os estudantes a projetar sua autonomia intelectual e a fazer uso público de sua razão, levando a uma sociedade melhor. E para desenvolver este ponto, o conteúdo do e-mail de Saskia Sá, enviado por Rodrigo Bouillet, sobre o seminário “Cinema e Educação: cineclube, escola, comunidade”, bem como as contribuições dos participantes das demais mesas, será certamente de grande valia. Com o recebimento da primeira versão, saberemos todos como melhor colaborar, trabalhar o texto e chegar a uma carta-manifesto. Um abraço a todos. Emmanuel."

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