23 de abril de 2011

Bravura Indômita, filme de Joel e Ethan Coen


Os filmes de faroeste, um gênero em que Hollywood já foi prolífera, são hoje uma raridade, o que os torna ainda mais apreciáveis. O último que nos chega é Bravura Indômita (True Grit, 2010), refilmagem do clássico homônimo de 1969. Os irmãos Joel e Ethan Coen, diretores e roteiristas do novo filme, disseram que se basearam apenas no livro de Charles Portis e nunca viram o filme original.

Se eles temem uma comparação entre os dois filmes, podem ficar tranquilos. Seu filme não se sai mal do cotejo. E, embora o arcabouço da história seja o mesmo, existem muitas diferenças entre as duas versões. Como não dá para tratar aqui de todas as mudanças, enfocaremos as mais evidentes.

Nas cenas principais, ainda que estas aconteçam de modo semelhante e em espaços análogos nos dois filmes, quase tudo funciona diferentemente. Notam-se inclusive inversões, como no caso do tapa-olho do xerife Rooster Cogburn, agora no olho direito. Além disso, os irmãos Coen capricharam mais nos detalhes. Sua “mis-en-scène” tem uma sintonia mais fina que a de Henry Hathaway, o diretor do filme original.

Na versão dos Coen a história é narrada por Mattie Ross já idosa, enquanto o primeiro filme não tinha narrador explícito. Também se investiu mais no humor, distribuindo-o entre as várias personagens, enquanto no outro filme ele era quase uma exclusividade de John Wayne, que fez do ranzinza Rooster Cogburn uma deliciosa autoparódia.

O estilo de humor dos Coen inclui situações e tipos estranhos. Na busca pelo assassino do pai da garota Mattie no vasto Território Indígena, Cogburn e a garota encontram um homem enforcado. O corpo pende a uns dez metros do chão. Por que um enforcamento em árvore tão alta? Eles se fazem esta pergunta, mas não têm uma explicação. Nem o filme a tem, aliás. É só uma graça típica dos Coen.

E já que o humor negro é uma das preferências deles, os gracejos com o enforcado não param por aí. O morto vira objeto de um comércio macabro. Um índio que passa leva o cadáver para usá-lo nalguma barganha. Vai-se o índio, e logo surge um tipo vestido com pele de urso, conduzindo o corpo comprado do índio. Apresentando-se como dentista, médico e veterinário do Território Indígena, ele diz que extraiu do morto o que lhe interessava e quer vendê-lo a Cogburn.

Também com fins humorísticos, supostamente, várias personagens falam como se estivessem com uma batata na boca, a começar de Cogburn. E talvez seja uma brincadeira com a ideia de Velho Oeste o aumento expressivo de personagens idosas, em comparação com as existentes no filme original.

A versão de Henry Hathaway tinha como ponto alto o duelo a cavalo, no qual Cogburn, com a rédea presa nos dentes, enfrenta quatro bandidos com um rifle na mão direita e um revólver na esquerda. A cena continha uma curiosidade: um plano de John Wayne foi invertido para se obter o que em linguagem técnica se chama “raccord” de direção. Ou seja: uma imagem de John Wayne atirando à direita foi editada ao contrário para indicar que seu disparo atinge um bandido que cai à sua esquerda. Por conta da inversão, subitamente suas armas trocam de mãos e o tapa-olho aparece do lado direito.

No novo filme a cena ficou ainda mais esmerada. Mas o ponto alto passou a ser a cavalgada de Cogburn com Mattie picada de cobra, em busca de socorro médico, até a completa exaustão do animal. Essa sequência, magistralmente fotografada e editada, merece figurar entre as mais belas da história do faroeste.

O filme original tinha um elenco notável, mas deixou a desejar em relação ao policial LaBoeuf, sofrivelmente encarnado pelo cantor Glen Campbell. Dizem que ele ganhou o papel porque o estúdio precisava de um cantor de sucesso que interpretasse a canção-tema para ajudar na promoção do filme.

Os Coen acertaram na mosca entregando o papel a Matt Damon, que fez de LaBoeuf um parceiro à altura para Cogburn. LaBoeuf ainda ganhou saídas e entradas em cena que aumentaram a complexidade dramática em alguns momentos-chave. Outro tiro certo foi terem escolhido Hailee Steinfeld, uma boa atriz de 14 anos, para viver Mattie Ross com a mesma idade. O problema da vez ficou com o protagonista. Jeff Bridges é um bom ator, ninguém nega isso, mas para John Wayne ainda não nasceu substituto.

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