'O Palhaço' tem a marca do bom cinema
Depois de assistir a "O Palhaço", de Selton Mello, a gente se pergunta qual é o segredo de um filme tão criativo, divertido e emocionante.
A história não poderia ser mais simples. Nos anos 1970, os palhaços Puro Sangue (Paulo José) e Pangaré (Selton Mello), pai e filho, são a principal atração do Circo Esperança. Acontece que Benjamin Savalla Gomes, a personagem que dá vida a Pangaré, está em crise de identidade. Jovem ainda, ele herdou a profissão do pai, mas tem dúvidas se o que quer da vida é ser palhaço. Pois não encontrou ainda no ofício a motivação necessária para ser feliz com o que faz. Nessa encruzilhada existencial, com uma grande angústia nas costas, Benjamin deixa o circo para experimentar outras profissões até descobrir a sua verdadeira vocação.
Como se trata de um circo pra lá de mambembe, o problema de todos se resume na falta de dinheiro. Assim como os trabalhadores humildes que ganham a vida dando duro à margem das rodovias por onde o circo transita (e os quais são trazidos sabiamente para dentro da história), os artistas do circo carecem dos recursos mínimos de conforto. Daí, a boa ideia de eleger o objeto do desejo de todos, cuja ausência atravessa todo o filme, para servir como símbolo da solução dos problemas da trupe no final.
Os nomes das personagens interpretadas por Paulo José, Waldemar, e por Selton Mello, Benjamin Savalla Gomes, são homenagens a grandes palhaços brasileiros já falecidos. Waldemar Seyssel era o nome verdadeiro do palhaço Arrelia; Benjamin de Oliveira foi um famoso palhaço de circo do final século 19 e da primeira metade do século 20, e George Savalla Gomes era o nome de batismo de Carequinha.
O filme é um road movie recheado de peripécias vividas pela trupe circense, seja nas suas relações internas, seja no relacionamento com o mundo. As situações do enredo fazem parte do repertório da vida na estrada. Mas o que não falta são soluções imaginosas e surpreendentes.
Um aspecto a destacar é que os coadjuvantes foram muito bem escolhidos e não se limitam a preencher espaços. São atores talentosos e experientes como Tonico Pereira, Jackson Antunes, Jorge Loredo (Zé Bonitinho), Moacyr Franco, Ferrugem. Suas atuações são relevantes e contribuem para enriquecer o universo representado.
Outro aspecto importante foi o cuidado que se teve de não traduzir tudo em miúdos, explicitando todo o conteúdo das cenas. Na elaboração destas, deixou-se sempre uma margem para que o espectador tire suas conclusões, deduzindo o sentido mais amplo, ou mais profundo, como se queira.
Se eventualmente um momento ou outro evoca algum filme de Chaplin ou de Fellini, não será mera coincidência, embora não se perceba a intenção de citar os mestres do cinema, cujas obras integram a fonte inspiradora de quem é do ramo. As boas influências são sempre bem-vindas.
No mais, as vidas e os ambientes retratados no filme são consistentes, a câmera está sempre no lugar adequado e os recursos técnicos do cinema foram usados com habilidade, como a mudança de pontos de vista passando-se, na fotografia, do foco ao desfoque e vice-versa.
Em conclusão, vale dizer que o segredo de “O Palhaço” é a aplicação conscienciosa do bê-á-bá do cinema. Como o resultado ficou muito atraente, em três semanas em cartaz o filme já conquistou um milhão de espectadores.
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